Por Mari Nassif

Este é um daqueles artigos que pensei “maravilha, vai ser incrível desbravar as particularidades do mercado de trabalho para mães”. Doce ilusão. Encontrar empresas e funcionários que adotem sistemas de contratação CLT home office e parcialmente home office não foi tarefa simples. Apesar do anúncio da Netflix, em meados de 2015, dar conta de que a empresa estimula e concede licença-maternidade ilimitada no primeiro ano dos filhos, biológicos ou adotados, a empresa não retornou o contato desta que vos escreve para dar conta de um posicionamento aqui, na vida real.

Verdade que o anúncio em si tem relevância. E que não estamos colocando em cheque as práticas da empresa. Estamos discorrendo sobre o fato de não termos obtido retorno de nenhuma das três investidas em busca de personagens. A relevância do anúncio, vale destacar, fica por conta dos olhos voltados para a parcela da população que deseja encarar os desafios da maternidade e paternidade mais próximos das crias. Seja pelos funcionários, que enxergam o fato como direito que pode virar dever, dependendo das movimentações das corporações tradicionais. Seja pelas empresas, que não desejam “ficar pra trás” num dos temas que mais causa saia-justa no ambiente de trabalho. A suposta competição de tarefas profissionais e pessoais.

Trabalhar de casa segundo as leis

Segundo a advogada autônoma Priscilla Nobre, 39, mães de duas meninas, com 7 e 9 anos, “é bom discriminar o que é a contratação CLT home office e o que é a jornada reduzida. Na contratação CLT em sistema de home office, os benefícios são comparáveis ao trabalho formal convencional, sendo descontado apenas o vale-transporte. A empresa é responsável por fornecer todas as condições de trabalho para o empregado, incluindo tecnologias. Também é incumbida de monitorar as dinâmicas de produção – por time-sheet, por exemplo, que determina que o funcionário insira um número de horas dedicadas às tarefas que tem como responsabilidade.

Já o sistema de jornada parcial foi legalmente adotado no auge da crise. As empresas foram autorizadas por lei a reduzir tempo de trabalho e até 30% do valor dos salários correspondentes àqueles cargos, após rigorosa avaliação em assembleia. Outros detalhes que envolvem a contratação em jornada parcial dão conta de que esse modelo só pode ser adotado por até dois anos e que o funcionário só pode ser demitido sob justa-causa.”

Leis complexas e incentivo insuficiente

Ainda conforme Priscilla, todos os detalhes de qualquer modalidade devem constar claramente nos contratos entre empresa e funcionário. Já que o modo de trabalhar mudou, as empresas também devem estar atentas a essas mudanças que proporcionam redução de custos para a empresa e de mais qualidade de vida para os funcionários, especialmente para as maternas. “O Brasil ainda está engatinhando nesse sentido, as leis ainda são muito complexas, sendo extremamente necessária a elaboração de contratos laborais completos e eficientes para ambas as partes”.

As leis, como deu para perceber, ainda são muito complexas, e o incentivo fiscal é insuficiente para inflar a bolha desses tipos de vínculo. Para além das questões judiciais, ainda existe a infraestrutura necessária para a manutenção das boas condições de trabalho e do comprometimento. Edson Junior, RH do grupo de comunicação InPress Porter Novelli, uma das maiores empresas de comunicação no país, afirma que as leis no Brasil ainda não são claras para home office. Em sua visão, as empresas não se sentem 100% amparadas pela lei para esse contexto, independente da condição materna/paterna do funcionário.

Crédito: Pixabay

De quem é a responsabilidade, afinal?

“Outro ponto é a tecnologia: quais são os limites de amparo e manutenção que a empresa deve fornecer para o funcionário que trabalha de casa? Existem muitas variáveis nesse sentido e a empresa novamente não compreende até onde é de responsabilidade da corporação e quando vira ação do contratado. Some a isso a questão do controle de horários e dedicação efetiva ao trabalho e encontramos a problemática de, no mínimo, não ter como garantir a disponibilidade daquela pessoa em determinado horário, para uma reunião global, por exemplo. Qual é a baliza legal para isso? Combinar previamente? Abrir exceções? Aceitar que aquele funcionário talvez não participe de todos os acontecimentos em grupo?”

Do lado das empresas, por fim, ainda existem inúmeros pontos e questionamentos sobre essas duas modalidades de contratação.

Jornada flexível: presente para criar os filhos

Quem conseguiu encontrar espaço no mercado de trabalho dentro de uma das modalidades, entretanto, comemora. É o caso de Renata Rossi, jornalista, mãe da Clarice, hoje com um ano e três meses. “Voltei da licença-maternidade quando minha filha tinha quatro meses e, então, usava o benefício da licença-amamentação, de até uma hora diária. Findo este período, conversei com meu gestor, que é uma pessoa extremamente importante neste processo, pois me apoiou e batalhou o pedido de redução de jornada frente ao RH da empresa, conquistando o horário que cumpro até hoje.”

Junto com a redução na jornada, é claro, veio o desconto proporcional no salário, um dos fatores que deve ser levado em consideração com o desejo de mudança. Muitas mães são as responsáveis financeiras pelo entorno familiar, e essa há de ser uma das batalhas mais difíceis da solução na briga carreira versus maternidade: a qualidade do tempo em detrimento à quantidade de contas.

Renata conta que não sentiu preconceito por parte da equipe, e que o mais relevante são os benefícios da escolha. Chegando ainda durante a tarde em casa, tem tempo e disposição para estar realmente presente na vida da filha. Ela, que adora cozinhar, participa ativamente do jantar, do banho, da diversão. Ainda assim, pontua: “minha carga horária diminuiu, mas minhas responsabilidades profissionais não. Fui obrigada a aprender a gerenciar meu tempo, a aumentar a dedicação ao que produzo e as pausas para o café se tornaram cada vez menores.”

São os ossos do ofício, sejam eles realizados presencial ou parcialmente dentro de casa ou na empresa. Vale ponderar.