Por Mariana Nassif

Quando recebi essa pauta, corri assistir Uma mãe em apuros, com Uma Thurman e Anthony Edwards, um filme que já havia sido indicado para mim há algum tempo, quando minha filha era pequena. A película traz a rotina de Eliza, mãe, esposa, blogueira/escritora, não necessariamente nessa ordem. E é de arrancar risadas, bem como aplacar a tal ansiedade que gira em torno de 99,9% das mães que trabalham e namoram.

Comecei uma reflexão profunda: de onde vem essa ansiedade, já que sou capaz de rir de situações parecidas? E até de escrever sobre ela com dicas para outras mulheres? Concluí que não importa de onde vem – cultura, meus próprios pais, sociedade – mas para onde vai o impacto. Sempre sobre os meus ombros culpados e sem energia alguma sequer para reordenar pensamentos, sensações e ações.

Estafa, esgotamento, irritação, rompimento, separação. Esse é um cenário bastante possível e um tanto quanto provável para mulheres que se engajam na conhecida jornada tripla. Além de tantas outras sensações que permeiam as entrelinhas destas relações íntimas que mantemos. Inclusive aquela com a gente mesma, a mais importante delas. Como para todas as situações da vida real, não existe receita, mas existe saída. Transformação.

Reformulando as dinâmicas

Hoje, ainda, é muito comum que as mulheres sejam as primeiras a ensaiar as transformações que envolvem as rotinas que combinam casa, trabalho e filhos. Isso porque vivemos em um sistema patriarcal onde o homem acaba sendo privilegiado pela responsabilidade única do sustento. EsSe modelo, que vem sendo questionado ao redor do mundo, continua muito forte no Brasil mesmo com os passos iniciais dos movimentos feministas colocando a “ajuda paterna” em pauta. Ajuda quem não tem envolvimento, participa quem tem compromisso. Sob essa premissa, Nilton Olimpo da Silva, 36 anos, locutor, pai de três filhos, construiu a nova dinâmica em parceria com sua esposa, Priscilla Castanho, do Abraço Materno, em busca do desfrute de ambos em relação à vida profissional, pessoal e familiar.

Não existe divisão de tarefas, as situações se desenrolam organicamente ao longo do dia. O que há é a consciência de que durante a manhã é o horário de trabalho da esposa. E, de tarde, é hora do marido trabalhar. As crianças ficam sob  encargo de um e de outro nestes períodos alternados e, portanto, são assistidas de maneira satisfatória para o que eles desejam desenvolver como família, sem abrir mão dos afazeres profissionais individuais. Posso dizer que vivemos um relacionamento familiar integral e a vantagem disso é a de estarmos juntos praticamente todos os dias desde o momento em que acordamos até a hora de dormir. Dessa forma acreditamos que estamos nos relacionando de verdade e não somente algumas poucas horas por dia. Compartilhamos as nossas alegrias, medos, conquistas, frustrações e vitórias no exercício diário do nosso auto-desenvolvimento”, afirma Nilton.

Ponto de partida: às vezes, o esgotamento

Priscilla conta que foi preciso que a situação chegasse no limite do esgotamento emocional, incluindo o relacionamento amoroso, para que ambos parassem e tomassem uma decisão à respeito do formato que viviam. “Como buscamos qualidade de vida dentro dos nossos pilares existenciais, conversamos e ensaiamos novas propostas para conviver. O Nilton pediu demissão do trabalho que o mantinha afastado da rotina familiar e, desde então, vem construindo uma carreira autônoma que eu também apoio, trabalhando um pouco mais nesSe momento de transição. Não houve um pedido unilateral da minha parte para que ele participasse de uma nova maneira, mas sim a exaustão do velho cenário para todos, inclusive para nossas filhas e, então, o novo projeto começou a tomar forma”.

O diálogo amoroso, não embasado em acusações e cobranças, portanto, pode ser uma solução saudável, bem como o entendimento das demandas individuais. O amparo que Priscilla traz para que Nilton desenvolva suas novas aspirações profissionais é equilibrado pela presença dele frente às filhas, o que possibilita que ela trabalhe com tranquilidade, fazendo a roda da satisfação girar, deixando a culpa de lado.

O resultado: dinâmica em família

“Com certeza houve uma melhora em todas as partes da vida, porque conseguimos impregnar nossas características pessoais na dinâmica: o Nilton consegue realizar tarefas domésticas logo pela manhã, enquanto eu demoro um pouco mais pra engrenar nisso, então ele arruma a roupa, lava a louça, apronta nossas filhas e eu começo a trabalhar. Como prefiro cozinhar, isso fica comigo e faço com mais prazer do que como uma obrigação. Sou perfeccionista, confesso, e ainda dou algum palpite sobre a forma que ele faz as coisas, mas a verdade é que a vida ficou mais leve e possível pra gente neste formato.”, diz Priscilla.

Para Nilton, essa é uma questão que ainda é discutida somente em grupos de paternagem específicos, e não como um assunto corriqueiro entre amigos. “É muito comum hoje, vermos pais se dedicando aos cuidados com a família, mas é claro que há ainda um longo caminho para trilharmos nesse sentido.”

Não tenho com quem compartilhar as tarefas, como lidar?

Se você é mãe solo e se responsabiliza sozinha pela criação dos filhos, um dos melhores caminhos é ser você mesma sua parceira. Antes de mais nada, entenda que você dá conta de tudo, não importa o quanto seja esse tudo, só que numa dinâmica diferente, talvez um pouco (ou muito) mais lenta do que deseja. Uma ferramenta que tem ajudado muitas mulheres nessa situação é listar os afazeres referentes ao trabalho e priorizar o que tem que ser feito imediatamente, o que pode esperar e aquilo que exige um tempo maior para a execução, lembrando de deixar a auto-cobrança descansar um pouquinho. Isso já ameniza a energia investida no trabalho e, então ela pode ser distribuída mais amorosamente entre as outras searas da vida. O foco principal, aqui, é começar a encontrar satisfação nas tarefas e então gerar uma movimentação mais tranquila que contamina o contexto, dissipando a ansiedade.

Se os filhos são pequenos, os planos podem ir por água abaixo com uma febre, uma noite mal dormida, as interrupções rotineiras – e ainda assim, ter estas tarefas listadas ajuda no que diz respeito a não enlouquecer porque esqueceu algo importante profissionalmente.

Outra questão inerente às mães solo, que talvez as impactem mais do que àquelas que têm uma família convencional, é a cobrança externa sobre o cenário: “não é casada e ainda quer trabalhar em casa? Que moderna, por isso não dá certo!”. Esqueça isso. Acene, sorria e siga com o foco no que te faz sentir alguma realização. As escolhas são suas, só suas e, portanto, as consequências destas só devem recair sobre si mesma, e não a quem não vive a sua vida. Pronto, simples e difícil assim.

A divisão de tarefas, enfim

Não pense você que a jornada dupla ou tripla é característica somente de quem assume compromissos profissionais autônomos ou em jornada flexível: as cobranças referentes à maternidade e trabalho aparecem também para quem tem emprego fixo convencional.

Entender que a vida é feita de momentos, por mais piegas que a frase pareça ser, é fundamental para aplacarmos as angústias a respeito de encarar o que aparece no aqui e agora de forma menos dolorida e prejudicial, entrando no looping que fatalmente nos levará ao esgotamento, seja ele físico ou emocional. Separar a vida em gomos para ter uma visão ampla e global da situação pode ser uma boa solução para reordenarmos os afazeres, seja remanejando ações ou riscando da lista aquilo que está a sugar energia que seria importante para realizar projetos importantes, fazendo prevalecer aquilo que transforma uma situação desconfortável em algo que nos faz crescer.

Mãe, procure ajuda!

Procurar ajuda terapêutica é também um caminho promissor. Vez ou outra um profissional especializado consegue fazer com que enxerguemos uma luz que, de repente, anda ofuscada pelas trocas proporcionadas nos grupos que existem nas redes sociais, visto que normalmente nos relacionamos com pessoas que estão na mesma situação que a nossa, à beira de um esgotamento e, portanto, não necessariamente sabem como ajudar na condução de saída do contexto. Mudanças estruturais como essas são profundas e merecem atenção e cuidado na condução, caso contrário podem virar uma eterna frustração perigosa.

Ainda assim, é inviável trocar a fantasia de mãe para a de profissional ou amante em decorrência do ambiente. As horas investidas no trabalho fora de casa também são motivos de penitência para muitas mulheres e, então, vale de novo a dica de amenizar a autopunição e começar a se relacionar de forma a reconhecer a satisfação naquilo que faz. O compromisso de estar realizada, afinal de contas, é o que mais importa nessa caminhada toda.